STF julga desoneração da folha e pode dar nova ajuda aos cofres do governo Lula

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O governo Lula pode voltar a contar com a ajuda do Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar equilibrar as contas públicas, após ser derrotado no Congresso com o arquivamento da Medida Provisória 1.303 — que previa compensações pelo fim do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).

O plenário virtual do STF começou a julgar nesta sexta-feira (17) uma ação que questiona a constitucionalidade da prorrogação da desoneração da folha de pagamentos dos setores que mais empregam e dos municípios com menos de 156 mil habitantes, aprovada pelo Congresso no fim de 2023.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 7633), apresentada em abril de 2024 pela Advocacia-Geral da União (AGU), foi desengavetada pelo ministro Cristiano Zanin no mesmo dia em que a MP foi derrubada e pode abrir caminho para uma recomposição parcial de receitas.

Em seu voto, o primeiro a ser liberado nesta manhã, Zanin acolheu pedido da AGU e declarou a inconstitucionalidade parcial da Lei 14.784/2023. Ele fundamentou a decisão na ausência de demonstração adequada do impacto financeiro e orçamentário da norma.

“Torno definitiva a medida cautelar concedida para, julgando parcialmente procedente a presente ação, reconhecer a inconstitucionalidade dos arts. 1º, 2º, 4º e 5º da Lei Federal n. 14.784, de 27 de dezembro de 2023, sem pronúncia de nulidade", escreveu o relator.

Assim, embora tenha reconhecido a inconstitucionalidade dos dispositivos, o ministro optou por não pronunciar a nulidade, para preservar a segurança jurídica e evitando questionamentos sobre decisões jurídicas já formadas.

Momento do julgamento chama a atenção

Segundo estimativas da própria AGU, as renúncias fiscais decorrentes da lei somam R$ 20,23 bilhões no Orçamento — valor próximo à perda de cerca de R$ 20 bilhões prevista inicialmente pela MP.

“A liberação da ação para julgamento indica que o STF acelerará a análise do mérito da ação na tentativa de socorrer o Poder Executivo no aumento de arrecadação, diante da derrota sofrida perante o Congresso Nacional”, diz Rodrigo Borba, sócio coordenador do Araúz Advogados.

Para o especialista em direito tributário Daniel Zugman, sócio do BVZ Advogados, o movimento do ministro Zanin tem efeitos claros. “É difícil dizer o que o ministro Zanin considerou para retomar esse tema agora, mas não dá para ignorar que o timing está casando bem com os objetivos do governo”, afirmou.

Briga fiscal entre poderes acaba no STF

Desde que foi implementada, em 2011, a desoneração da folha de pagamento tem sido alvo de disputas entre Executivo e Legislativo devido ao impacto fiscal e à crescente necessidade de recursos frente à expansão da dívida pública.

O benefício permitia trocar a contribuição previdenciária de 20% sobre os salários por um percentual menor sobre a receita bruta. Nas empresas, essa alíquota variava entre 1% e 4,5%, dependendo do setor de atividade. Já nos municípios, a contribuição patronal era reduzida para 8%.

Inicialmente prevista para vigorar até 2015, foi prorrogada diversas vezes pelo Legislativo. Em 2023, os parlamentares aprovaram a Lei nº 14.784, que estendia o benefício até 2027. O governo vetou, mas o veto foi derrubado pelo Parlamento. O Executivo então editou medidas provisórias (MPs 1.202 e 1.208), que alternaram a revogação e a restauração temporária da desoneração enquanto tramitava um projeto de lei de reoneração gradual.

Em abril do ano passado, o ministro Zanin, do STF, concedeu liminar na ação da AGU contra a prorrogação, sob o argumento de ausência de compensação do impacto orçamentário da desoneração. A decisão foi referendada pelo plenário da Corte. O ministro também promoveu audiências em busca de um entendimento entre Executivo e Legislativo, mas as negociações não resultaram em uma solução definitiva.

O impasse arrefeceu em setembro de 2024, com a aprovação da Lei nº 14.973, que incluiu o artigo 9º-A na Lei 12.546/2011 e estabeleceu uma reoneração gradual da folha de pagamentos.

A medida buscou equilibrar a recomposição das receitas da União e dar previsibilidade aos 17 setores beneficiados, estabelecendo uma transição entre 2025 e 2027, na qual as empresas e municípios menores voltarão a recolher a contribuição patronal de forma escalonada — combinando percentuais sobre a receita bruta e sobre os salários — até atingir novamente a alíquota integral de 20% em 2028.

Agora, com a retomada do julgamento da ADI, o cenário pode mudar novamente. Caso o Supremo decida pela inconstitucionalidade da lei anterior ou de trechos da nova regra de reoneração, o cronograma de recomposição das alíquotas será afetado, com consequências diretas para empresas e municípios.

Tributaristas divergem sobre consequências

Há entendimentos diferentes entre os tributaristas. Para Luís Garcia, sócio do Tax Group e do MLD Advogados Associados, caso a ADI seja considerada procedente, haverá o fim imediato da desoneração, com base na “decisão de mérito da ADI 7.633”.

“Isso significaria a reoneração integral já em 2025, ainda que com efeitos retroativos limitados, a depender da modulação que o Supremo Tribunal Federal venha a definir”, afirma. “A estimativa é da restituição dos R$ 20,3 bilhões em arrecadação por ano para a União.”

Segundo Zugman, se o STF julgar a prorrogação inconstitucional, precisarão ser estudados os efeitos das legislações posteriores, e o Congresso deverá apresentar medidas compensatórias. “Aquela norma de reoneração gradual da folha de salários acaba, vamos dizer assim, de certa forma ficando num limbo”, diz.

Já para Borba, o governo não teria interesse em contestar judicialmente a constitucionalidade da Lei n° 14.973/2024. “Isso, uma vez que ela está efetivamente reonerando a folha de pagamento e fazendo caixa, como se pretendia”, diz.

Caso a ADI seja julgada procedente para declarar inconstitucional a Lei da desoneração (n° 14.784), ele acredita que as empresas e municípios poderão estar sujeitos ao pagamento de contribuição previdenciária pela alíquota de 20% no período compreendido entre 1°/01/2024 e 15/09/2024.

“Este é o período compreendido entre a data originalmente prevista para o fim da desoneração (antes da Lei n° 14.784/2023, que deixa de existir no mundo jurídico se declarada inconstitucional) e a data em que a nova sistemática de reoneração entrou em vigor (Lei n° 14.973/2024)”, explica o tributarista.

Mesmo assim, considerando “todas as pessoas jurídicas e entes federativos envolvidos”, o volume arrecadado seria “substancial”.

No seu voto, Zanin preservou a lei da reoneração gradual. "Deixo, ainda, de fazer qualquer análise sobre a Lei 14.973/2024 - fruto do diálogo institucional ocorrido a
partir da liminar deferida nestes autos – uma vez que não é objeto de presente ação direta de inconstitucionalidade", escreveu.

Discussão acontece em meio a adiamento da LDO

O julgamento pelo STF é uma das apostas da Fazenda, num momento decisivo para a aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2026. A votação pela Comissão Mista de Orçamento (CMO) estava prevista para a última terça-feira (14), mas foi adiada para dar ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mais tempo para negociar ajustes após a derrubada da MP, conforme admitiu o presidente do colegiado, senador Efraim Filho (União Brasil-PB).

A declaração foi dada após a audiência do ministro Fernando Haddad, da Fazenda, na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, para tratar do projeto de isenção do Imposto de Renda, que deve ser referendado pela Casa. Efraim lembrou ainda que a LDO precisa ser validada rapidamente para garantir um tempo viável para a discussão da LOA (Lei Orçamentária Anual) até o fim do ano.

Na audiência, Haddad reconheceu que já há entendimento entre deputados e senadores de que a aprovação do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) será mais difícil sem os recursos previstos na MP e que isso pode culminar em cortes em investimentos e emendas parlamentares.

“A MP 1303 era um pressuposto importante [no Orçamento encaminhado pela Fazenda em agosto]”, disse o ministro, sem mencionar o Supremo.

Na semana passada, Haddad afirmou que não está contando com uma eventual reoneração da folha de pagamento para compensar a derrota sofrida pelo governo com a derrubada da MP. “Não estou considerando isso [a reoneração da folha] para fins práticos”, disse a jornalistas no dia 9. “Não estou levando em consideração, embora eu não conheça a decisão do ministro."

STF e Executivo: aliança em questões fiscais

Para os tributaristas, a tendência é que a ADI seja aprovada pelo STF. “Nesse sentido, entende-se que as chances de a ação ser julgada procedente, declarando inconstitucionais os dispositivos da Lei nº 14.784/2023 que prorrogavam a desoneração, são grandes”, diz Borba.

Para Zugman, o histórico do Supremo em decisões fiscais mostra uma tendência constante de alinhamento ao Executivo em questões fiscais. Ele cita um estudo feito por Eduardo Mattos, publicado na revista Public Choice com o provocativo título “The Judiciary as a fiscal policy tool? Budget stress and judicial decision-making in Brazil”.

Com base na análise de 358 decisões vinculantes do STF entre 2008 e 2024, o estudo identifica padrões consistentes e preocupantes para os contribuintes: o governo venceu 62% dos casos; quanto pior a situação fiscal do país, menores as chances de êxito para os contribuintes; e mesmo nas derrotas do governo, o STF modulou os efeitos em 68% desses casos para mitigar impactos fiscais.

“Além disso, o uso explícito de argumentos consequencialistas cresce sensivelmente em períodos de estresse orçamentário, e o padrão se mostra institucional, independentemente da ideologia do governo de plantão, reforçando a tese de que o Judiciário tem atuado, na prática, como uma peça do sistema de gestão fiscal do Estado”, diz Zugman.

“Não estou falando de esquerda ou direita, quem é presidente ou partido, é uma questão institucional. Quanto pior a situação fiscal do Estado, mais propenso o Supremo fica a dar decisões favoráveis às teses do governo.”

Garcia alerta para o alto custo econômico da decisão. “Uma vitória do governo no STF pode fortalecer o equilíbrio fiscal no curto prazo, mas fragiliza a previsibilidade legal, abala a confiança da iniciativa privada e dificulta decisões de investimento”, afirma.

“O custo econômico pode superar o eventual ganho fiscal se não houver uma transição clara e acordada, preservando segurança jurídica e diálogo institucional com o setor produtivo.”

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