A saga de Donald Trump para consolidar sua imagem como “presidente mediador” ganhou novos capítulos nesta última semana. Com uma reunião na Casa Branca com Volodymyr Zelensky e nova ligação com Vladimir Putin, o republicano tenta estruturar um cessar-fogo no conflito que já ultrapassa três anos no Leste Europeu.
O encontro entre Trump e o presidente ucraniano, realizado nesta sexta-feira (17/10) em Washington, não saiu como o planejado para Kiev. Zelensky chegou à Casa Branca esperando um aceno positivo sobre o envio de mísseis de cruzeiro Tomahawk, mas voltou para casa com as “mãos abanando”.
O enredo mudou após a conversa telefônica entre Trump e Putin, ocorrida um dia antes da reunião com o ucraniano. O telefonema de 2h30 fez o republicano adotar um tom mais cauteloso, reconhecendo os limites do apoio militar norte-americano.
“Precisamos de Tomahawks para os EUA também. Temos muitos, mas precisamos deles”, afirmou Trump antes de se encontrar com Zelensky. “Não podemos esgotá-los para o nosso país. Eles são vitais, poderosos e precisos. Precisamos deles também, então não sei o que podemos fazer sobre isso”, completou, sinalizando recuo na possibilidade de enviar as armas a Kiev.
Questionado se Putin teria tentado dissuadi-lo, respondeu com ironia:
“O que você acha que ele vai dizer? ‘Por favor, venda Tomahawks?’”, disse, rindo. “Perguntei a ele: ‘Você se importaria se eu desse uns 2 mil Tomahawks à sua oposição?’ Disse isso exatamente assim.”Ao fim da reunião com Trump, durante coletiva, Zelensky afirmou que discutiu com o republicano, o fornecimento dos mísseis, mas evitou confirmar se houve algum avanço concreto. Segundo o ucraniano, Washington não quer provocar uma escalada no conflito com a Rússia.
Gestos diplomáticos e realismo
Antes da reunião, Trump afirmou acreditar que “a Rússia está pronta para resolver a situação na Ucrânia” e destacou haver “boa chance de concluir essa guerra”. Mesmo assim, o republicano tem evitado comprometer-se com novos envios de armamentos, afirmando que o país “não pode esgotar seus estoques estratégicos”.
Durante a coletiva, o presidente norte-americano reconheceu o desgaste da guerra e afirmou que tanto ele quanto Zelensky “suportaram muita coisa”. “Faz muito tempo, e acho que estamos fazendo um grande progresso”, disse.
O líder ucraniano, por sua vez, agradeceu o papel de mediação, mas alertou para o comportamento do Kremlin.
“Entendemos que Putin não está pronto. Acho que ele não está, mas estou confiante de que, com a ajuda de vocês, podemos parar esta guerra”, afirmou Zelensky.Trump aposta no papel de pacificador
- Após mediar o cessar-fogo entre Israel e o Hamas, Trump tenta repetir o feito na guerra da Ucrânia.
- O republicano tem se descrito como “presidente mediador”, afirmando “adorar resolver guerras”.
- Desta vez, porém, a empreitada é mais complexa. O republicano se vê diante de um Putin inflexível, um Zelensky sob pressão e relações estremecidas entre Washington e Moscou.
- O governo norte-americano cogitou enviar mísseis Tomahawk à Ucrânia — possibilidade que, segundo o Kremlin, representaria “uma espiral séria de escalada”.
- O porta-voz Dmitry Peskov alertou que o armamento poderia “agravar o risco de confronto direto entre as potências”, lembrando que os Tomahawks “podem ser equipados com ogivas nucleares”.
Diplomacia em xeque
As tensões crescem menos de dois meses após a cúpula do Alasca, na qual Trump e Putin prometeram “abrir caminho” para a paz. Desde então, as negociações travaram, e o próprio Kremlin admitiu que o diálogo entre as duas potências estava em uma “pausa séria”.
Questionado sobre uma eventual cessão territorial por parte da Ucrânia, um dos pontos que a Rússia pressiona para tornar a trégua viável, o republicano respondeu de forma ambígua: “Nunca se sabe. A guerra é muito interessante. Nunca se sabe, com a guerra e a paz, mas nunca se sabe.”

Diálogo de Zelensky com líderes europeus
Logo que finalizou sua passagem pela Casa Branca, Volodymyr informou líderes europeus virtualmente sobre a reunião com Trump.
Os Líderes europeus, então, reafirmaram apoio à Ucrânia. Em comunicado, o governo britânico informou que os participantes reiteraram “compromisso inabalável com a Ucrânia diante da contínua agressão russa” e defenderam que “uma paz justa e duradoura é a única forma de pôr fim à matança”.
O secretário-geral da Otan, Mark Rutte, também participou da conversa. Segundo Downing Street, os líderes concordaram em manter as discussões sobre formas de apoio a Kiev antes e após um eventual cessar-fogo, inclusive em uma reunião da chamada Coalizão dos Dispostos.
“Cenário europeu é muito mais complexo”
Para o especialista em direito internacional Pablo Sukiennik, ouvido pelo Metrópoles, o novo movimento de Trump evidencia uma tentativa de aplicar a mesma lógica usada no Oriente Médio a um contexto completamente diferente.
Sukiennik avalia que, diante da multiplicidade de atores envolvidos, o processo tende a ser mais longo e complexo. Segundo ele, diferentemente do conflito entre Hamas e Israel, a guerra entre Rússia e Ucrânia envolve potências com interesses diretos — entre elas, a União Europeia e o Reino Unido —, tornando as negociações mais difíceis e o resultado mais incerto.
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Trump e Zelensky
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Presidentes Donald Trump (EUA) e Volodymyr Zelensky (Ucrânia)
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