Suprema disputa: a concorrência que Messias enfrenta por vaga no STF

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PERTO DA CADEIRA? - Jorge Messias: cotado pela terceira vez, ele é considerado favorito à vaga PERTO DA CADEIRA? - Jorge Messias: cotado pela terceira vez, ele é considerado favorito à vaga (Ton Molina/Fotoarena/.)

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Embora sempre tenha sido a face institucional de um dos três poderes da República, o Supremo Tribunal Federal ganhou musculatura nos últimos anos, muito em virtude do acirramento político do país. Em razão disso, ganhou também cada vez mais destaque a indicação de seus ministros, que até poucos anos atrás eram feitas longe do interesse maior da opinião pública. Desde que voltou ao poder, em 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já indicou dois ministros, ambos escolhidos sob o mesmo critério primordial, o da confiança: seu ex-advogado Cristiano Zanin e seu ex-ministro Flávio Dino. O anúncio da aposentadoria antecipada por Luís Roberto Barroso abriu inesperada corrida por mais uma toga, que tende a ser mais curta que as anteriores, já que o presidente deve fazer a escolha rapidamente, guiada pelo mesmo critério usado nas últimas indicações.

O maior favorito dentro desse parâmetro é bem conhecido no Palácio do Planalto e tem muitos defensores no governo. No último dia 1º, o magistrado aposentado do Supremo e hoje ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, durante um evento acadêmico em Brasília, rasgou elogios ao advogado-geral da União, Jorge Messias, um de seus colegas de mesa, dizendo que as portas da Corte mais poderosa do país não estavam só abertas, mas “escancaradas” para ele. É a terceira vez que Messias entra no páreo. Em 2023, foi cotado tanto para substituir Lewandowski quanto Rosa Weber, mas acabou preterido por Zanin e Dino, respectivamente. Homem de confiança do petismo, Messias ficou conhecido em 2016 com a divulgação de um grampo pela Lava-Jato em que Dilma dizia a Lula que lhe enviaria o termo de posse de ministro da Casa Civil por meio do “Bessias”, pronúncia que saiu anasalada por conta de uma gripe. Na época, ele era chefe de assuntos jurídicos do Planalto, um cargo discreto, mas com acesso direto à mesa presidencial. De volta ao governo, Messias, que é procurador concursado, assumiu a chefia da AGU, que nos últimos anos virou catapulta ao STF: por lá passaram Gilmar Mendes, Dias Toffoli e André Mendonça.

A ascensão de Messias foi marcada por demonstrações de fidelidade a Lula. Um dos pontos fundamentais, que também o aproximou dos ministros do STF, foi seu ativismo na defesa da democracia. Logo que tomou posse, criou a PNDD (Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia), uma espécie de subpasta na AGU para combater a desinformação. Na prática, mirou vários perfis de direita que espalhavam fake news contra o governo e seus integrantes. Também reagiu a ataques bolsonaristas a Lula, como ao pedir inquérito na Polícia Federal contra o deputado Gilvan da Federal (PL-­ES), que disse na Câmara que desejava a morte do presidente. E tem sido uma peça ativa na responsabilização dos acusados de golpe e na defesa das prerrogativas do STF no caso. Sua gestão contratou um escritório de advocacia argentino para cuidar dos mais de sessenta pedidos de extradição de condenados pelo 8 de Janeiro e um americano para lidar nos EUA com o tarifaço e a imposição da Lei Magnitsky e do cancelamento dos vistos a autoridades brasileiras, como ministros do Supremo — ele próprio, em razão de sua atuação, teve o documento cassado pela gestão de Donald Trump.

Outro ponto a favor da indicação de Messias é o seu trânsito junto à comunidade evangélica, na qual Lula enfrenta notórias dificuldades. Messias professa a mesma crença desde criança e frequenta semanalmente a Igreja Batista, uma das vertentes mais conservadoras da religião, em Brasília. Por isso mesmo há quem o defina como um “cristão conservador” de esquerda, com posicionamentos progressistas. Isso sinaliza que, se for indicado ao STF, ele pode ser aberto a pautas envolvendo aborto, drogas, direitos humanos e questão carcerária, sem necessariamente rezar pela cartilha da esquerda mais radical.

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 Lula quer senador candidato em MG CAMPANHA – Pacheco com Alcolumbre: Lula quer senador candidato em MG (Edilson Rodrigues/Ag. Senado)

Sua relação com a fé o ajuda, inclusive, a driblar eventuais resistências da oposição a Lula. “Messias é evangélico e muito preparado. Não existe crente de direita e nem de esquerda. Existe crente. E ele é terrivelmente evangélico”, afirma o deputado federal Cezinha de Madureira (PSD-­SP), da Assembleia de Deus, que também fez campanha pela indicação de André Mendonça no governo de Jair Bolsonaro. Nem entre os opositores mais aguerridos de Lula deve existir resistência a um evangélico, mesmo ele sendo de esquerda. “Se não tiver nada contra a moral dele, não vou ficar aqui fazendo guerra contra as pessoas só porque discordo ideologicamente”, diz o pastor Silas Malafaia.

Apesar de toda a conjuntura favorável, o jogo não está ganho para Messias, que tem ao seu lado no páreo outros candidatos que também usufruem da confiança de Lula. O adver­sário mais forte é o ex-presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-­MG), que tem em seu sucessor, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), um cabo eleitoral em franca campanha. Os dois estiveram, na segunda 13, com os presidentes do Supremo, Edson Fachin, e do STJ, Herman Benjamin, e com o procurador-geral da República, Paulo Gonet. O desejo de Pacheco de ir para o STF não é novo, mas esbarra em outra pretensão de Lula: o petista prefere que o senador dispute o governo de Minas Gerais, o terceiro maior colégio eleitoral do país. Lula não tem nenhum outro candidato competitivo e tenta convencer Pacheco a aceitar o desafio, sob a promessa de contemplá-lo com uma cadeira futura no caso de uma derrota: se reeleito, o petista terá três vagas para indicar no STF (com as aposentadorias de Luiz Fux, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes) e duas no Tribunal de Contas da União (TCU).

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 ex-presidente do TCU tem forte apoio nos bastidores em Brasília NO PÁREO - Bruno Dantas: ex-presidente do TCU tem forte apoio nos bastidores em Brasília (Aloisio Mauricio/Fotoarena/.)

Outro nome forte no páreo é o do ministro e ex-presidente do TCU Bruno Dantas, que já foi cotado outras vezes para o Supremo. Por causa da preferência de Lula de que Pacheco tente o governo mineiro, ele pode estar inclusive à frente do senador na disputa. Dantas tem um bom trânsito em todos os poderes — com ministros do Supremo, senadores e deputados relevantes e no Palácio do Planalto, inclusive com Lula. Dantas tem ainda o apoio dedicado de nomes influentes em Brasília, como o empresário Joesley Batista, da JBS (leia a coluna Radar).

Em paralelo com isso, como já ocorreu outras vezes, há uma forte pressão da base do PT, de movimentos sociais e de grupos de juristas pela indicação de uma mulher, preferencialmente negra. Barroso, ao anunciar a aposentadoria, indicou preferência pela ministra do STJ Daniela Teixeira, mas vários outros nomes foram levantados, como Edilene Lôbo, do TSE, e Maria Elizabeth Rocha, do Superior Tribunal Militar. “Quanto mais diverso o tribunal, mais diversa é a leitura que ele fará da sociedade”, afirma a advogada Luiza Oliver, que assina um manifesto ao lado de figuras públicas como a cantora Anitta e a apresentadora Angélica. O petista não deu sinais de que irá ceder à demanda, mas a pressão mira as próximas indicações também. “Lula já é recordista nessas nomeações (de mulheres e pessoas negras) em outras Cortes. É induvidoso o compromisso que ele tem”, diz o advo­ga­do Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do Grupo Prerrogativas.

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 aposentadoria antecipada deu a Lula a possibilidade de indicar mais um ministro do STF ADEUS - Barroso: aposentadoria antecipada deu a Lula a possibilidade de indicar mais um ministro do STF (Rosinei Coutinho/STF)

O perfil das indicações ao Supremo mudou na última década, sob influência dos grandes julgamentos que aconteceram no tribunal. “Depois do mensalão, ficou escancarada a relevância que a Corte tem. A partir disso, as indicações ficaram mais politizadas”, explica o professor da FGV Rubens Glezer, que coordena um grupo de pesquisa sobre o STF. A confiança do presidente da República passou a ser quase um quinto critério constitucional na indicação dos ministros do Supremo — a Constituição diz apenas que devem ser brasileiros e ter entre 35 e 70 anos de idade, notável saber jurídico e reputação ilibada. Alexandre de Moraes foi ministro da Justiça de Michel Temer, que o indicou para a Corte. Bolsonaro potencializou o peso do fator confiança ao escolher dois ministros que, em tese, compartilhariam dos mesmos valores ideológicos que ele: Nunes Marques e André Mendonça. Depois, Lula manteve a toada com Dino e Zanin.

Lula, até a quinta 16, havia dito pouco sobre quem será o escolhido. A única declaração pública, em Roma, na segunda 13, pareceu mais um despiste. “Eu quero uma pessoa, não sei se mulher ou homem, não sei se preto ou branco, quero uma pessoa que seja antes de tudo gabaritada. Não quero um amigo”, disse. Na terça 14, recebeu quatro ministros (Gilmar, Moraes, Zanin e Dino), mas não abriu o jogo. Na quarta 15, foi publicada no Diário Oficial da União a aposentadoria de Barroso. A disputa por sua cadeira começou bem antes e tende a ficar ainda mais quente nas próximas semanas.

Publicado em VEJA de 17 de outubro de 2025, edição nº 2966

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