Com a confirmação da saída de Luís Roberto Barroso do Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deu início, nesta semana, às conversas políticas para mensurar o apoio ao nome do advogado-geral da União, Jorge Messias, considerado o favorito do petista para ocupar a cadeira. Por outro lado, a oposição, liderada pelo PL de Jair Bolsonaro, tem trabalhado para tentar barrar a indicação, que precisa ser aprovada pelo Senado.
Lula se reuniu na noite de terça-feira (14) com ministros do STF para discutir a sucessão na Corte. O jantar, realizado no Palácio da Alvorada, contou com a presença de Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Flávio Dino e do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski.
Assessores do Planalto ouvidos pela reportagem admitem que a estratégia repete o roteiro usado por Lula nas nomeações de Zanin e Dino, quando ele sondou previamente o clima entre ministros do Supremo antes do anúncio oficial. Para bater o martelo, o petista deve ainda se reunir com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), responsável por pautar a indicação.
Além da sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o indicado para a vaga de ministro do STF precisa de ao menos 41 votos no plenário. Alcolumbre, no entanto, tem articulado nos bastidores para que o escolhido de Lula seja o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Em agosto, o ministro Gilmar Mendes afirmou ao jornal Folha de S.Paulo que “a Corte precisa de pessoas corajosas e preparadas juridicamente. E o senador Pacheco é o nosso candidato. O STF é jogo para adultos”. A manifestação ocorreu antes mesmo de Barroso confirmar publicamente que anteciparia sua aposentadoria.
Pacheco, que é ex-presidente do Senado, é apontado como um nome que poderia angariar votos também na oposição. Alcolumbre vem acenando nos bastidores com mais de 60 dos 81 votos no plenário do Senado para consagrar logo Pacheco, muito acima dos 41 necessários, enquanto ministros do STF veem com simpatia a eventual indicação do senador.
Para um integrante do PL, porém, a nomeação do parlamentar derrubaria o palanque de Lula em Minas Gerais, já que o senador mineiro é o preferido do PT para disputar o governo estadual em 2026.
Dentro do Planalto, o nome de Messias é apontado atualmente como “franco favorito” para a indicação de Lula. Assessores defendem que essa confirmação possa ser feita pelo presidente até o fim de outubro, antes de viagens internacionais.
Apesar disso, interlocutores admitem que o petista possa adiar a decisão caso a pressão política aumente. Nesta semana, Lula disse que iria “conversar com muita gente do governo para tomar uma decisão sobre quem vai mandar para ser convocado pelo Senado”.
“As pessoas acham que podem decidir pelo governo. Indicar um ministro ou ministra da Suprema Corte é uma tarefa eminentemente do presidente da República”, afirmou Lula, na terça-feira, ao retornar ao Brasil após visita à Itália.
Oposição quer dificultar a aprovação de Messias pelo Senado
A oposição tentará barrar uma eventual indicação de Jorge Messias ao STF. Parlamentares do PL, do Novo e do Republicanos, por exemplo, já articulam campanhas nas redes sociais e no Senado para questionar o perfil do advogado-geral da União. O favorito de Lula ficou conhecido como “Bessias” desde o episódio de 2016, quando a então presidente Dilma Rousseff tentou nomear Lula como ministro da Casa Civil em meio ao avanço das investigações da Lava Jato e pediu que Jorge Messias levasse o termo de posse "em caso de necessidade".
A oposição pretende ainda pressionar a bancada evangélica e setores do Centrão e também vai apresentar requerimentos na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para atrasar a tramitação do nome de Messias, caso seja confirmado por Lula. Um senador do PL disse à Gazeta do Povo, sob reserva, que a estratégia é “empurrar o Planalto para o desgaste”.
O otimismo da bancada do PL ocorre em meio às derrotas que o Congresso tem imposto ao governo nas últimas semanas. A Câmara deixou caducar a medida provisória que tributava aplicações financeiras no exterior — alternativa ao aumento do IOF que poderia render R$ 35 bilhões ao Tesouro.
Para senadores próximos de Alcolumbre, esse episódio reforça a necessidade de Lula buscar um gesto de aproximação com o Legislativo. Apesar da campanha pelo nome de Pacheco, o presidente do Senado também sinalizou aos líderes do governo que não pretende apresentar qualquer tipo de resistência ao nome de Jorge Messias.
O Senado não rejeita uma indicação de ministro do Supremo feita por um presidente da República desde o governo Floriano Peixoto, em 1894. Dos atuais ministros da Corte, Flávio Dino e André Mendonça foram as indicações que mais enfrentaram resistência dos senadores.
Ambos, no entanto, acabaram aprovados com 47 votos — seis a mais do que o mínimo necessário (41). No caso de Mendonça, a oposição incluiu uma campanha contrária do próprio Davi Alcolumbre, que presidia a CCJ à época e buscava pressionar o então presidente Jair Bolsonaro a nomear o procurador-geral da República da época, Augusto Aras.
Cálculo eleitoral reforça a hesitação de Lula por Pacheco e a opção por Messias
Para impulsionar a campanha por Messias no STF, visto como um ativo eleitoral e reforço definitivo de blindagem, Lula avalia sucessoras mulheres para a AGU, caso confirme o nome do atual titular. Mas adversários da indicação tentam elevar o custo da sabatina no Senado, lembrando resistências no passado recente para ratificar o ministro Flávio Dino. Por outro lado, há também hesitação de parte do PT em apoiar Pacheco, pois preferem tê-lo como candidato competitivo ao governo de Minas Gerais em 2026.
Segundo analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, o dilema de Lula opõe um menor atrito com o Legislativo, no caso de Pacheco, com chance de aprovação relâmpago no Senado, versus o forte alinhamento com Messias, além de afagos ao seu entorno petista. Aliados de Lula querem que a sua decisão em favor do AGU saia até o início da próxima semana para driblar pressões conjuntas de STF e Congresso.
A articulação pró-Pacheco avançou na segunda-feira (13) no Congresso, com reunião na residência oficial do presidente do Senado entre o próprio senador de Minas Gerais e Alcolumbre; o presidente do STF, ministro Edson Fachin; e o procurador-geral da República, Paulo Gonet. No dia seguinte foi a vez de Lula se reunir em jantar com ministros do STF e outras autoridades para discutir o sucessor de Barroso.
A certeza entre senadores é de que a indicação de Messias, a terceira de Lula apenas no atual mandato, potencializaria o desgaste e a campanha contrária da oposição. Messias, que tem apoio do Grupo Prerrogativas, de advogados próximos ao PT, é visto como reforço óbvio da influência direta do Palácio do Planalto no STF, em contraste com o gesto de aparente conciliação que a escolha por Pacheco simbolizaria ao Congresso.
Campanha por Pacheco contempla trânsito do senador no mundo jurídico
Além da aprovação confortável no Senado, pesaria a favor de Pacheco a boa recepção do seu nome entre ministros do STF, com ações explícitas para que ele seja o escolhido. O senador tem longo histórico de relacionamento com a cúpula do Judiciário, seja como advogado de destaque, político e figura engajada em causas corporativas das representações da OAB mineira e nacional. Como presidente do Congresso, ele teve postura absolutamente refratária contra qualquer proposta de impeachment de ministros do STF.
Apesar do perfil de político de Pacheco, ex-presidente do Senado, seus adversários lembram que essa também era a condição de Flávio Dino, igualmente ex-parlamentar da Câmara Alta, e isso não impediu que ele depois agisse contra interesses do Legislativo, sobretudo dos partidos do Centrão, responsáveis pela maioria dos votos "sim" a ele.
Os inquéritos presididos pelo ministro Dino para investigar destinações de emendas parlamentares ampliaram as tensões entre poderes. Pacheco teve, em seu segundo mandato na Presidência do Senado, momentos de tensão com o STF, ao apoiar pautas de contenção do ativismo judicial. O senador defende ainda que a Corte seja apenas constitucional, sem papel penal.
Especialistas avaliam tendências para o STF, que incluem até reviravoltas
Antônio Flávio Testa, professor de Ciência Política, observa que gestos aparentemente contraditórios — como o aceno do líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), a Pacheco, prontamente retribuído, apesar das desavenças deste com aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro — revelam alta complexidade da escolha que recai sobre Lula.
Nesse cenário de múltiplas possibilidades, o especialista não descarta até a indicação do atual procurador-geral da República, Paulo Gonet, ao STF, mesmo após o pedido de sua recondução. A relação próxima com ministros da Corte — que endossaram seu nome ao comando do Ministério Público Federal (MPF) — e a necessidade do próprio se resguardar de pressões, sobretudo externas, podem pesar a favor dessa alternativa.
“De toda forma, Lula tende a lançar Jorge Messias como nome de preferência do PT e de parte do eleitorado evangélico”, afirma.
Marcus Deois, diretor da consultoria política Ética, avalia que a decisão de Lula sobre a sucessão de Luís Roberto Barroso ocorre em meio a um contexto particularmente desafiador para o governo, marcado por perspectivas fiscais negativas e por conjuntura de crescente dificuldade no Congresso.
A escolha de um nome para ocupar a vaga no STF, observa ele, não está dissociada desse cenário e tende a ser negociada em paralelo a outras pautas estratégicas para o Legislativo, sob influência da dupla Alcolumbre e Pacheco.
“Do ponto de vista político, o governo já ultrapassou a fase mais crítica, mas o quadro fiscal se agravou a tal ponto que praticamente não há espaço para formular um projeto robusto ainda neste ano”, afirma Deois. “E a tendência é que o cenário fique pior.”
“O Senado tem poder de veto antecipado”, diz constitucionalista sobre disputa por vaga no STF
O professor de Direito Constitucional Álvaro Palma de Jorge, da FGV Direito Rio, explica que o processo de escolha de ministros da Corte é “essencialmente político”. Autor do livro O Processo de Escolha dos Ministros do STF, o analista lembra que a Constituição impõe apenas três requisitos: ter mais de 35 anos, notório saber jurídico e reputação ilibada. Fora isso, é uma escolha discricionária do presidente, sujeita à concordância do Senado.
Segundo Palma, o Senado já exerce influência sobre o processo ainda durante as discussões do presidente sobre qual será o indicado. “O presidente só envia o nome se souber que ele será aprovado. Quando há risco de derrota, a indicação nem chega a ser feita”, disse.
Como exemplo, ele cita o episódio em que Jair Bolsonaro cogitou indicar o filho Eduardo para a embaixada em Washington. A indicação também teria que passar pelo crivo dos senadores.
“O nome não foi sequer enviado porque o Planalto percebeu que não teria votos suficientes. Então, mesmo que a decisão final seja do presidente, ela depende de uma avaliação política prévia do Senado”, explica Palma.
Para o professor, o modelo dessas indicações para a Corte não é uma invenção brasileira. “Nos Estados Unidos ocorre da mesma forma. A indicação ao Supremo sempre desperta mobilização política e ideológica, porque as decisões da Corte têm impacto direto na sociedade — de temas como união homoafetiva à descriminalização do porte de drogas. É natural que cada grupo político tente emplacar um perfil de ministro mais próximo de suas convicções”, argumenta.
Ainda segundo o analista, é legítimo a oposição testar os limites políticos e éticos do nome que for indicado por Lula. Mas, na prática, o presidente não arrisca uma derrota. “Ele mede o ambiente, negocia e só formaliza um nome que tem chance real de aprovação. Por isso, mesmo que raramente um indicado seja rejeitado oficialmente — o que não acontece desde 1894 —, o Senado exerce um poder real de condicionar as escolhas presidenciais”, completa.